terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

“Inquietos, uma inquietude ortodoxa””, de Cristiano Chiocca


Inquietos, uma inquietude ortodoxa
Fui assistir ao filme Inquietos por pura falta de opção, nenhuma sinopse tinha me agradado e eu devia uma ida ao cinema a uma amiga, então lá fui eu o escolhendo quase que aleatoriamente. Como não creio em acaso, coincidiu de me deparar com o tipo de filme que gosto, que trata de grandes temas da alma com a sutileza dos símbolos.
Pouco importa aqui se foi intenção do diretor, mas eu vi o filme com olhos ortodoxos, mais especificamente cristãos, e acho que é a única lente que nos permite compreende-lo.
O protagonista se chama Henoc que na tradição bíblica é o nome de um dos patriarcas pré-diluvianos, filho de Cain e pai de Matusalém, tendo vivido por 365 anos e ascendeu ao céu, sem morrer, arrebatado por Deus após agrada-Lo.
No filme Henoc é um jovem que perdeu os pais em um acidente e vive a confrontar a realidade da morte, tendo por hábito visitar funerais de pessoas desconhecidas e cemitérios. Ai, além do nome, é clara a analogia ao Patriarca Bíblico que em sua longeva vida, encarou a morte de diversas pessoas, próximas ou não. Nos dias de hoje, falar, pensar, refletir sobre a morte é quase censurado, pessoas parecem buscar a juventude eterna com plásticas, e paranoias e o filme, propositalmente, coloca dois jovens reflexivos sobre o tema.
Em um funeral, Henoc conhece e logo se apaixona por Annabel, uma jovem paciente de câncer em estado terminal, ela uma darwinista, e aqui o leitor poderia me desautorizar a usar a lente cristã no filme mas o darwinismo de Annabel é totalmente condizente com essa visão. Ela enxerga que nada no mundo é por acaso, tudo tem um propósito. A serenidade com que Annabel encara sua doença é complementar ao seu darwinismo. Ambos, Henoc e Annabel tem consciência da morte e, mais ainda, de que a morte é um processo, uma passagem, uma páscoa. Henoc mais relutante, mais inseguro, com menos fé, eu diria, sofre com a iminente morte de Annabel e se revolta. É o apego às coisas “desse mundo” que Henoc ainda não conseguiu resolver dentro de si.
Quem o ajuda nessa tarefa é Hiroshi, a alma de um kamikaze morto na segunda guerra, e aqui a ortodoxia volta, os suicidas não descansam, a alma sofre a dor eterna, não descansa. Não obstante Hiroshi ajuda Henoc a não perder a realidade transcendental, a mesma realidade que aparece tão clara à Annabel no diálogo com sua aflita irmã, que não se conforma com a serenidade com que ela recebe a notícia que seu tumor estava aumentando. Annabel reflete sobre os 3 meses que lhe restam dizendo a irmã sobre quão ínfima é nossa passagem na terra, que 3 meses, 3 anos, 30 anos não significam nada. Annabel está se referindo aí à eternidade, ela sabe da brevidade da nossa vida aqui, e sabe também que a vida não acaba aqui, existe um propósito de estarmos aqui.
O simbolismo do filme me apareceu também em um sutil detalhe: pequenas simulações da morte, como quando eles desenham seus corpos no chão com giz ou quando simulam uma peça de teatro, é uma representação das pequenas mortes que enfrentamos na vida, é nessas pequenas mortes que Henoc se ira mas depois se acalma, é o exercício do desapego e esse exercício será doloroso ou suave dependendo de como o encaramos. Quem se apegar às coisas desse mundo perderá a vida e quem se desapegar terá a vida para sempre.
Henoc, no final do filme, percebe isso, abre um sorriso, sereno, seguro, cheio de gratidão, de confiança. Talvez seja esse o agrado que o patriarca Henoc fez a Deus para que fosse arrebatado ao paraíso sem a dor da morte.
Assistam o filme, é um belo poema sobre a vida.

Cristiano Chiocca, praxeologista, economista e fundador do Instituto Mises no Brasil. Cristiano toda a primeira quarta-feira do mês escreve sobre as relações humanas no cinema sob a dimensão transcendetal.

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